Restos para uns, oportunidade para muitos
O lixo pode mudar uma vida. Ou muitas vidas. É o que indica a história da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável, em Belo Horizonte, a Asmare. Em 1988, a associação reunia um pequeno grupo de moradores de rua, interessados apenas em sobreviver a partir do que os outros jogavam fora. Dois anos depois, a Asmare se tornava uma referência oficial para os catadores de recicláveis da capital mineira. A idéia de organizar cidadãos excluídos por falta de oportunidades resulta, hoje, em dignidade restabelecida para cerca de 1500 pessoas, beneficiadas direta e indiretamente pela reciclagem de resíduos. "Com a fundação da Asmare, seguida da implementação da Lei Orgânica Municipal, que assegurou às cooperativas de trabalhadores a prioridade na parceria para os programas de coleta seletiva, desde 1993, os catadores de Belo Horizonte passaram a ser reconhecidos como agentes da limpeza urbana.", explica Aurora Pederzoli, Chefe do Departamento de Programas Especiais da Superintendência de Limpeza Urbana da prefeitura de Belo Horizonte.
Em BH, o trabalho de catação é exercido há mais de meio século e envolve famílias inteiras. Antes, sem qualquer suporte, como galpões e equipamentos, a sujeira nas ruas era atribuída aos catadores, o que gerava constantes conflitos com o poder público. A situação agora é diferente. Com o trabalho das cooperativas reconhecido, cada um dos 383 membros da Asmare ganha pelo menos três salários mínimos por mês com o que a cooperativa recolhe e vende. Além disso, contam com auxílio médico e odontológico e podem comprar medicamentos mais baratos em uma farmácia, administrada por eles mesmos. Um mercadinho garante aos cooperados produtos da cesta básica a preços reduzidos.
À noite, depois de um longo período de trabalho, os membros e seus familiares participam de cursos de alfabetização. Os filhos dos catadores ganham reforço escolar durante as aulas. Eles também se profissionalizam em oficinas de marcenaria, onde fazem brinquedos e móveis a partir de materiais reaproveitados. As peças podem ser compradas numa loja-bar da própria associação, o Reciclo, que já se tornou um ponto de encontro da noite belorizontina, especialmente para os que gostam de ouvir um bom samba de raiz. O dinheiro gerado com os serviços é dividido entre os associados e gera renda também para os adolescentes que fazem os cursos.
Atualmente a Asmare recicla 500 toneladas de lixo por mês e tem parcerias com a prefeitura da capital, que envia todo o lixo reciclável das repartições públicas municipais para a associação. A experiência da Asmare em BH fez dela uma das fundadoras do Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis (MNCR), que reúne outras associações do tipo Brasil afora. "Lutamos pela autogestão de nosso trabalho e o controle da cadeia produtiva de reciclagem, garantindo que o serviço que nós realizamos não seja utilizado em beneficio de alguns poucos, mas que sirva a todos.", diz a diretoria da MNCR na declaração de objetivos do movimento.
O MNCR foi oficializado em 1999, durante o 1° Encontro Nacional de Catadores de Papel, em Brasília. O movimento, que funciona em São Paulo, ajuda a outras associações, em várias cidades, a repetirem o sucesso conquistado com o esforço da Asmare. Existem 35 mil catadores ligados ao grupo, em 300 cooperativas espalhadas pelo País, que abrigam uma média de 50 trabalhadores por unidade. “A tentativa é profissionalizar o papel dos catadores e, quem sabe um dia, acabar com a vida nos lixões, uma triste realidade para um grande número de pessoas.”, afirma Jorge da Silva, representante do MNCR na Asmare.
"Além de beneficiar o meio ambiente, a cidade e os moradores, a coleta seletiva possibilita a inserção social e uma atividade rentável para os catadores de materiais recicláveis. Esses trabalhadores, que recuperam o descarte de nossa sociedade para garantir o seu sustento de cada dia, hoje buscam na organização em associações ou cooperativas uma alternativa para seu fortalecimento como empreendedores.", comenta Aurora. No entanto, um longo trabalho está por fazer. Só na capital mineira, os mais de 2,5 milhões de habitantes geram diariamente em torno de 4,2 mil toneladas de lixo. A Asmare reaproveita apenas uma fração disso. Mas o que ela faz alimenta a produção de muitas empresas especializadas em reciclagem. Esse é só o início da jornada. No entanto, há de se reconhecer que já é um começo.
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